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O morto que não havia morrido

Aldo Valdir Pintarelli era sem dúvida uma das pessoas mais populares da cidade. Principalmente os mais velhos de famílias tradicionais de Ascurra já tiveram, com certeza, algum negócio com ele. Valdir participou por toda a sua vida de momentos importantes da cidade. É dele, enquanto vereador, o projeto de emancipação política que elevou Ascurra a condição de município. Outras centenas de atividades em prol da região renderiam um livro.

Valdir era conhecido também por ser o maior contador de piadas da cidade. Algumas velhas conhecidas popularmente, eram contadas por ele de forma diferente e pareciam ter saído do forno naquele momento. Outras piadas ele mesmo inventava. As mais interessantes eram casos reais vividos por antigos empregados seus, amigos e familiares. Estas últimas arrancavam gargalhadas de todos os ouvintes. Eram acontecimentos do passado e a maioria delas contadas em italiano, remetiam a famílias tradicionais envolvendo agricultores, cavalos, outros animais, padres, bares, festas e tudo mais.

Valdir era uma enciclopédia viva. Conhecia tudo do passado e lembrava de todas as pessoas que passaram por aqui. Viajou bastante com seu caminhão Dodge transportando banana para todo o estado. Tinha amigos por todos os caminhos por onde andava.

Mas ninguém é perfeito. Valdir foi um dos maiores fumantes que a cidade já viu. Comprava caçambas de cigarros todos os dias. Jamais usava isqueiro ou fósforos. O cigarro era aceso com a xepa daquele que estava fumando. A camada de ozônio que cobria Ascurra estava ficando destruída por culpa de Valdir. A Souza Cruz pensava em montar uma fábrica no Tamanduá.

O primeiro aviso que o cigarro faz mal foi dado pelo coração. Aquela complicada cirurgia feita em Curitiba quase tirou o Tamanduaense de circulação. Os médicos disseram a ele que ficasse bem longe dos produtos da Souza Cruz. Cigarro só de chocolate.

Valdir ficou cem por cento novamente. Na primeira oportunidade voltou a devorar cigarros como nunca. As pessoas tentavam modificar sua atitude, mas ele nada. Deus resolveu intervir novamente e mandou um segundo aviso em meados de 1993.

O pulmão foi desta vez afetado com seriedade. Valdir passou meses na UTI do Hospital Universitário em Florianópolis. Todos achavam que desta vez ele não escaparia. Permaneceu inconsciente e não tinha ideia do tempo que ficou por lá. Eugênia, sua esposa, talvez tenha sido a principal responsável pela sua recuperação. Esteve com ele todos os momentos da internação. Rezava a todo momento e tornou-se enfermeira, médica arrumadeira, cozinheira, etc. Enfim tudo ela fazia naquele hospital. Ganhou a amizade e o carinho de todos aqueles pacientes e funcionários. Como promessa iria construir uma capelinha.

Mas Valdir continuava muito doente. Os médicos não davam esperanças. Havia comentários de que a família já tinha comprado o caixão. A cidade aguardava o sino da igreja tocar. A cada toque todos diziam: “Será que foi o Valdir”? Não era.

Muitos amigos o visitaram no hospital. Todos queriam vê-lo vivo pela última vez. Uma das visitas foi feita pelo prefeito municipal na época. O prefeito chegou na recepção e pediu para subir até o quarto do Valdir. A recepcionista não localizou o nome. O nome completo de Valdir era Aldo Valdir Pintarelli e o registro havia sido feito desta forma. Ocorre que ninguém chamava o homem pelo primeiro nome, somente pelo segundo. No entanto, havia na lista da recepção outro tal de Valmir. A moça olhou novamente para o prefeito e disse. “O Sr. Quer visitar o Valmir?” O prefeito acenou positivamente O barulho na recepção fez com que ele entendesse como Valdir.

A moça indicou o quarto e o prefeito subiu para visitar o amigo. Lá no local estranhou a gravidade do paciente. Todas aquelas mangueiras e máscaras dificultaram reconhecer a pessoa. Mal sabia ele que o verdadeiro Valdir estava em outro quarto. O médico pediu que não ficasse por muito tempo. Informou que aquele paciente não passaria de hoje. O prefeito então ficou bastante triste com a notícia e disse que gostaria de ser avisado caso acontecesse alguma coisa.

Ainda no caminho de volta, o celular do prefeito tocou e o hospital informou do obtido de Valmir. Novamente o prefeito entendeu Valdir. A notícia chegou até a prefeitura e correu a cidade toda. As bandeiras da cidade, estado, Brasil e Rotary, já estavam a postos para o velório. A família de Valdir estranhou não ter avisado primeiro.

Logo o mal-entendido foi esclarecido e como em um passe de mágica, Valdir, o verdadeiro, voltou para casa recuperado. A cidade respirou aliviada e brincou com o engano.

Valdir parou definitivamente de fumar. Ocupou o tempo com mais piadas e apesar do cigarro e dos enganos, ele continuou vivo por muito tempo ainda.

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