A vaca
O ano de 1929 ficou marcado para sempre na vida de Luiz Rossi. Este jovem habitante do São Pedrinho em Rodeio, aguardava com ansiedade a chegada do primo recém-formado no exército. Não vamos exagerar o termo “formado”, o que ocorria na verdade é que Joaquim Pintarelli, o tal primo, entrara para o exército brasileiro analfabeto. Serviu na cidade de Ponta Grossa e aprendeu a ler e escrever naquela instituição. Retornou para Rodeio contrariando a vontade dos seus superiores. Estes haviam lhe oferecido um cargo melhor, mas a lembrança da família e daquela vaquinha de leite, foram fatores decisivos na volta para casa.
Joaquim era o tipo de homem que fazia a cabeça das mulheres da época. Bonitão e sempre bem vestido, atormentava o sexo frágil por onde passava. Logo ao chegar foi abraçando todo mundo e dar uma espiadinha na criação. As galinhas, porcos e vacas estavam todos bem graças a Deus.
O primo e vizinho Luiz correu até Joaquim para deixar as fofocas em dia. Depois de conversarem bastante, o recém-chegado mostrou sua última aquisição em Curitiba. Um magnífico chapéu com uma pena vermelha. Por mais que nos pareça absurdo, um chapéu era um sonho de consumo da juventude em 1929. Todos possuíam o seu para as festas, reuniões e ida à igreja.
Mas aquele chapéu não era um chapéu comum. Era um chapéu com uma pena vermelha. Diferente de tudo aquilo que Luiz já tinha visto. O modelo não existia à venda na praça. O preço também era bastante elevado. Nosso informante, Valdir, não soube explicar o porquê. Se era a qualidade ou fato de possuir uma pena vermelha.
Para encurtar a história, Luiz ficou morrendo de inveja e prometeu trabalhar duro para comprar também um daqueles. E comprou. Tempos depois ficou sabendo que uma loja em Blumenau dispõe de um modelo similar com a pena vermelha.
Luiz guardava aquele chapéu como quem cuida de um tesouro. Vários meses de trabalho foram investidos naquela preciosidade. Acompanhar o Joaquim com uma novidade daquelas era tudo o que faltava na vida deste jovem. As meninas certamente iriam ficar apaixonadas quando o dia da inauguração chegasse.
As únicas festas existentes na época eram religiosas. Não havia outra oportunidade para desfilar um traje novo. A festa mais próxima seria realizada em Presidente Getúlio na localidade de Rio Ferro. Lá moravam dois irmãos de Luiz: Beppi e Júlio que a tempos pediam uma visita. Ficou então combinado: Joaquim e Luiz iriam participar da festa do santo padroeiro São José em Rio Ferro.
Naquela manhã levantaram cedo. Ir até Presidente Getúlio levava quase um dia inteiro. Joaquim e Luiz vieram de bicicleta até a estação do trem em Ascurra e de lá foram com a locomotiva até “Hansa”. Hoje é Ibirama. Uma espécie de ônibus de propriedade da Estrada de Ferro levou os jovens até Presidente Getúlio. Para surpresa dos dois, o motorista era um ascurrense chamado de Júlio Bonetti. Até a localidade de Rio Ferro foram mais seis quilômetros a pé. Viagem cansativa, mas nada que abalasse a vontade daqueles dois andarilhos com chapéu idênticos e pena vermelha bandeirosa.
A festa do santo padroeiro era só no dia seguinte. A noite passaram na casa de Beppi e Júlio. Jogaram conversa fora e jantaram à luz de velas. Não por ser uma ocasião especial, mas porque não havia energia elétrica na época por lá. A luz a querosene (lamparina) era a única maneira de enxergar a noite. Não havia cama para todos. A simpática esposa de Beppi ajeitou um “pelego” na sala para que Joaquim e Luiz dormissem naquela noite. Como estava coçando muito, o “pelego” foi virado do lado avesso, aí os jovens conseguiram pegar no sono.
Lá pelas tantas da madrugada Luiz acorda Joaquim. Apavorado, Luiz pergunta pelo seu chapéu. Não sabia onde havia deixado seu precioso bem. Com a lamparina acesa passaram a andar pela casa. Júlio acorda e aborrecido pergunta o porquê daquele barulho. Informado do sumiço do chapéu de Luiz, o irmão passou a auxiliá-los na procura.
Beppi também acorda incomodado pelo barulho. “Será que vocês não esqueceram lá fora?” Pergunta ele. Já eram quatro pessoas andando pelos ranchos à procura da pena vermelha. Várias lamparinas iluminavam a noite do Rio Ferro e nada do chapéu aparecer. Luiz estava a ponto de chorar.
A esposa de Beppi também acorda, abre a janela e pergunta o porquê daquela baderna. Informada do motivo, ela diz ter visto o chapéu em cima do pilão próximo a estrebaria das vacas. Luiz lembrou que realmente havia deixado lá e correu para pegá-lo. Voltou desesperado pois não estava mais.
A esposa de Beppi coçou a cabeça e disse o que Luiz não queria ouvir. “Dá uma olhadinha na minha vaca. Hoje de manhã ela comeu o meu avental que estava ali também. Ela gosta de ficar remoendo essas coisas”.
Todos saíram à procura da vaca e encontraram a mimosa mastigando algo “desestressadamente”. Com habilidade abriram a boca do animal e lá estava o chapéu de Luiz servindo de chiclete para aquela vaca destruidora de sonhos. Um sentimento de culpa tomava conta da família Rossi de Rio Ferro e em solidariedade ao primo, Joaquim voltou com Luiz para Rodeio logo que amanheceu o dia. A festa de São José ficou para outra oportunidade.
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