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“Os contos que as folhas contam”

Entrevista exclusiva com a escritora Lisandra Polidoro

DAMARIS BADALOTTI

Não lemos ou escrevemos poesia porque está na moda.  Lemos e escrevemos porque fazemos arte da raça humana e a raça humana está impregnada de paixão. Medicina, Direito, Administração Engenharia são atividades necessárias à vida. Mas, a poesia, a beleza, o romance, o amor são coisas pelas quais vale a pena viver.  Nessa fala retirada do filme Sociedade dos poetas mortos temos um bom incentivo do porquê vale a pena investir algumas horinhas na semana com uma boa leitura.

Filosofia, simbolismo, história, linguagem, a própria vida. Tudo isso constitui-se num enredo em que o autor se revela também na própria obra. Através da leitura temos muitos efeitos em nossa própria vida, na forma como condensamos o conteúdo em nós mesmos. A arte desenvolve a humanidade.

A literatura, em qualquer expressão, é para todos e você não precisa ser um intelectual para mergulhar nesse universo. A boa leitura te abraça e te leva passear. E, bem ali, na Rua Apiúna, no Bairro Estação, estava escondida uma preciosidade de nossa terra.

Lisandra Polidoro, 29 anos, ascurrense, dotada de um dom que desenvolveu, praticou e produziu, por incentivo de sua mãe, uma obra lançada de maneira totalmente autônoma e autoral: Os contos que as folhas contam, como a própria autora descreve, tratam de coisas simples, de um lugar simples e de histórias contadas pelos avós.

Uma filha de Ascurra falando sobre Ascurra e suas personagens da vida real. Com o intuito de ampliar o desenvolvimento cultural e literário de nosso município fomos conhecer e ouvir Lisandra.

JP: Fale da Lisandra, sua formação, sua família. 

Eu tenho 29 anos, nasci e moro em Ascurra. Estudei em escolas públicas aqui da cidade, e me formei em Publicidade e Propaganda em Indaial no Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Sempre amei os livros. Posso me lembrar do primeiro livro que tive nas mãos para ler. Foi a primeira vez que estive em uma biblioteca, na Escola E. B. Dep. Abel Ávila dos Santos, quando recentemente tinha aprendido a ler e a atividade de turma era levar um livro para casa para a leitura. O livro era "A Bruxa e o Pássaro", lembro-me de sua grafia, das ilustrações e até de seu aroma até hoje. Desde então não larguei mais dos livros.

Moro com minha família. Por parte de minha mãe, a descendência vem direto da Alemanha, com meu bisavô chegando ao Brasil com 28 anos (a história dele faz parte de um conto também). 

Já por parte de meu pai, por mais que quase todos pensem que o sobrenome "Polidoro" seja de origem Italiana, meu bisavô paterno, Alfredo Polidoro (o qual também é um personagem em um de meus contos), dizia que seu sobrenome vinha de Portugal junto de algum antepassado seu. Seu Alfredo casou-se com uma descendente de Italianos, de sobrenome Bonetti, assim como suas filhas que casando-se trouxeram para a família sobrenomes como Fava ou de Pinho, entre outros, onde foram as culturas e costumes misturando-se e criando essa maravilhosa combinação da qual todas as famílias são compostas. Meu avô, casou-se com uma descendente de Alemães, sobrenome Reichelt, então posso dizer que tenho todas essas misturas de sangues, culturas, tradições e me orgulho de cada uma delas!

JP: Como começou a escrever?

Gosto de escrever desde que aprendi a fazê-lo. Quando criança, gostava de escolher um tema aleatório e escrever sobre ele. Além de também escrever breves histórias sobre animais domésticos que fizeram parte de minha infância, tenho diversos textos desse tipo guardados até hoje.

Sempre tive o hábito de ter um diário, desde que ganhei meu primeiro de meus tios quando criança. Depois, mais velha, encontrei entre objetos que iam ser jogados no lixo, um diário quase completo de uma de minhas tias, a partir dele comecei novamente a escrever em diários, mas de uma forma um pouco diferente. Porque foi também o momento em que conheci a fantasia. O gênero, apesar de malvisto por boa parte de adultos, compõe-se da forma mais incrível de entender-se a verdadeira realidade, onde conhecemos a nós mesmos mais do que de qualquer outra forma. Então preenchi um caderno após o outro desde então, criando diversas breves histórias, crônicas e contos. Misturando fatores como o lugar e o clima e os elementos destes (pássaros, plantas, chuva, sol ou vento), com a inabalável imaginação do gênero da ficção.

JP: Quando decidiu se tornar escritora?

Quando minha mãe leu um de meus contos, e disse "você deveria investir nisso". Sei que mães sempre são suspeitas porque sempre gostam de tudo que os filhos criam, mas também levei em consideração de que ela é uma admiradora dos livros e que já leu muitos em sua vida. Então resolvi tentar.

O primeiro conto que tirei de meu caderno e que oficialmente foi o primeiro de meu livro publicado, "O Conto da Rua", foi escrito em 31/12/2021. Daí em diante foi praticamente 1 ano que levei para escolher das centenas de histórias curtas que tenho registradas em meus cadernos para reescrevê-las de forma mais coerente e transformá-las nos "Contos Que As Folhas Contam".

JP: Por que contos? 

Meu processo de escrita é: pegar meu caderno e seguir em uma caminhada nos arredores de minha casa, campos e floresta e observar a tudo. Pássaros, plantas, flores e o tempo. Nada tem mais a ensinar do que a mata, a natureza. Então ali, às vezes, ouvindo uma música de qualidade, surge a inspiração, e ali mesmo me sento e escrevo um breve conto.

Porque assim são os contos, uma breve narrativa, limitando-se a um só ambiente e com uma só ação. Já os escrevia antes mesmo de saber que se chamavam "contos" e tenho preferência por eles porque são variados, e pela minha própria experiência como leitora, não enjoam e criam uma certa curiosidade a cada vez que se inicia um novo título. Ainda por serem breves, geram uma facilidade de leitura, podendo-se formar a rotina de ler um conto por dia. Os contos tem a mágica capacidade de tirar nossas mentes daquele ritmo da rotina pesada do cotidiano e distraí-la de forma leve e livre, de certa maneira, sendo até, saudável.

JP: Alguém lhe foi fonte de inspiração? 

Sim. O lugar onde moro, sua vegetação e fauna que tanto admiro; ainda tudo que já li de uma forma ou de outra serviu como inspiração literária, podendo citar o autor H. P. Lovecraft; também considero minha inspiração todos os ensinamentos que vieram de minha família. Mas, chegando ao âmago de tudo isso, posso dizer que minha inspiração maior foi o progenitor de todos esses elementos. Meu avô, Fermino Polidoro.

Porque todas as histórias que ele contava, mesmo sendo de nossos antepassados as vezes, criaram em minha memória uma terna vontade de reproduzi-las. Desde que sou criança observei que todos, familiares ou não, gostavam muito de sentarem-se próximos a meu avô e ouvir as histórias e causos que ele tinha para compartilhar. As vezes engraçados, as vezes assustadores ou inexplicáveis.

Ainda, além de tudo isso, meu avô assim como eu, partilhava da mesma paixão pelo lugar onde moramos. Sabia do nome da espécie de cada árvore que tinha em sua floresta, cada pássaro ele conhecia pelo canto, eu admirava muito isso, e ambiciono esse conhecimento para mim também. Ele via a beleza em lugares simples, plantações, campos, montanhas e aves. Assim como também vejo. Ele olhava para a paisagem do alto do morro atrás de minha casa, e de lá, vendo boa parte de seu terreno, expressava como ele achava encantador, respirava fundo aquele ar puro entre as árvores e dizia que tudo era belo por ali. Sempre pensei da mesma forma, aprendendo com ele, admirando-o, como se ele tivesse naturalmente me ensinado em sua forma de viver.

Foi assim que todas os contos foram escritos. Com amor a este lugar onde moro, a Cidade e as criaturas que aqui vivem.

A introdução do livro, cita alguns causos contados por meu avô. Causos que não poderão mais serem ouvidos pela voz dele. Sua voz agora será apenas uma boa memória. Falecera recentemente, no último Sábado (02/09), mas a saudade já é enorme.

O livro é um exemplo que servirá para honrar não só a memória de meu avô ou de meus bisavôs que também são homenageados, mas para todos os nossos antepassados. Para lembrar que, por mais com o passar das décadas são facilmente esquecidos, somos o que somos graças a eles. Cada pedaço nosso, de nosso caráter e maneira de pensar, são devidos aos nossos "antigos". E eles merecem receber créditos pelas coisas boas que fazemos ou criamos.

Dos contos que as folhas falam, reconhecemos o lugar e os cheiros descritos por Lisandra:

"(...) Enquanto escrevo, os pássaros se aproximam devagar, e seus cantos e aparições também aparecem na história que escrevo. Cada galho que estala, cada som do respirar natural da Floresta faz parte do enredo do que é escrito. Cada planta, cada inseto, cada cor dando inspiração para as palavras surgirem. Rapidamente surgem. Enroscam-se rudemente como cipós grossos de uma árvore, onde se misturam com as lembranças de minha mente e as lembranças da Floresta. A mesma Floresta que estivera ali quando aquelas velhas histórias presentes em minhas memórias eram vividas. E estava presente também, quando essas mesmas histórias eram contadas. Suas folhas levemente ou violentamente balançavam ao vento e espalhavam a aura das palavras contadas.

Contadas ao anoitecer, ao redor do fogão à lenha, nas primeiras casas da Rua. A Rua que circunda a Floresta. A Rua que é cercada pelo Rio.

Essas histórias eram contadas antes de um jovem ir para sua casa ou para casa de sua namorada tarde da noite. E ele seguia seu caminho com aquelas palavras frescas em sua mente, que o inspirava a experiências macabras e assombrosas, que de tão inexplicáveis, tornavam-se mais tarde, outras histórias contadas.(...)

(...) Esses respingos de experiências que escrevo foram reais. Vividas e contadas pelo meu bisavô, vividas e contadas pelo meu avô. E foram desde sempre, base e inspiração para os contos que virão.

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