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Descanse em paz?

A situação dos cemitérios em Apiúna, Ascurra e Rodeio

O sentimento de comoção e perda de um ente querido duram algumas frações de segundo diante da eternidade. Para estranhos, duram menos ainda. Basta publicar a nota de pesar com a frase feita no facebook e a vida segue. E deve seguir, claro. Contudo, um cemitério não deve transmitir um pesar, mas a história do lugar e das pessoas. Quem é que veio antes? O que fizeram?

“Cuidar de cemitérios pode elevar a alma aos céus daqueles que se dedicam minimamente à lembrança daqueles que por aqui já passaram, mas, no silêncio próprio dos jazigos, não apresenta grande valia para angariar votos e acaba por ser local de abandono e esquecimento. Realmente aqui jaz.”

A situação dos nossos “mortos” mostra o quanto o setor público se esquiva de encarar a mais fatal das realidades; ali é o local para onde vamos todos nós, políticos, corruptos e honestos, ricos ou pobres, apenas humanos entregues ao pó de onde viemos.

Não fosse nossa convicção espiritual, nossa fé, o que seria de nossos mortos que ali, na plenitude da eternidade, carregam a nossa história? Todos morreremos, mas algum legado deixamos. Alguns nos ensinam ali no pós túmulo.

Deixai que os mortos enterrem os seus mortos’ (Jesus). Sim, é dado aos mortos enterrar os mortos, mas aos cadáveres é dever do município, por força do interesse local e dada a veemência pública, de ser de natureza primária, social e coletiva cuidar da questão necrófaga. Isso também é histórico, porque a Igreja veio antes do Estado e o culto aos mortos vem com os matizes da moralidade (talvez, por isso, hoje se perca quando se mistura com a política, que é sem moral). Assim, quando há cemitérios privados, a fiscalização para a correta manutenção e administração são de competência municipal. 

A administração de um cemitério, como qualquer outro ramo de atividade, é composta por tarefas e atividades principais como o sepultamento e a manutenção dos jazigos, campas, manutenção de ossário, cinzário e tumbas, bem como tarefas auxiliares: de limpeza, jardinagem, vigilância e segurança.

Perpassando pelos municípios de Ascurra, Rodeio e Apiúna, observamos realidades distintas ainda que na questão legal os três municípios disponham de auxílio funeral com o objetivo de reduzir vulnerabilidades provocadas por morte de membro da família e atender as necessidades de urgência para enfrentar situações advindas da morte. 

Verificamos que os Municípios de Ascurra e Apiúna cumprem minimamente seu papel na manutenção dos cemitérios públicos e, ignoram os cemitérios das comunidades que, em sua totalidade, são cuidados pelas capelas locais e em alguns casos, por moradores que mantêm o respeito e a memória porque há histórias e jazigos literalmente perdidos ao léu. Há muitas lápides quebradas, jazigos que literalmente encontram-se abertos e sem qualquer preservação. Acessibilidade é inexistente. 

Ascurra

Cemitério Municipal de Ascurra

O cemitério Municipal localizado anexo à Igreja Matriz Santo Ambrósio, possui um total de 1525 jazigos. A morte mais antiga, registrada na Prefeitura é de Cândida Passero, cuja data de falecimento é de 29/03/1913 aos 28 anos de idade. Porém, não é o jazigo ou a morte mais antiga do município.

A Prefeitura mantém o cemitério municipal, cuidando das taxas e organizando os jazigos. Pela falta de espaço físico foi estabelecido que seriam feitos jazigos já duplos. Segundo o Prefeito Arão Josino “A prefeitura iniciou um estudo para terceirização tanto do cemitério quanto da capela Mortuária, cujo investimento incluiria a verticalização, o que deve ocorrer no segundo semestre do ano que vem.” Arão destacou ainda que o município está elaborando o projeto para dar acessibilidade, efetivar a alteração dos banheiros e ampliação da área de convivência da capela mortuária.

“Estamos ainda tratando sobre a ampliação do terreno, essa com a execução do loteamento dos salesianos. Parte da área pública, que será destinada pelo proprietário do terreno, será com o objetivo de prolongar o cemitério”, diz Arão.

Por Ascurra, verificamos a existência de cemitérios nas comunidades de Guaricanas, Ilze e Sagrada Família, os quais pertencem à Diocese.

No Bairro Guaricanas existiram 5 cemitérios dos quais dois ainda estão sendo mantidos pelo Conselho Pastoral da Comunidade (CPC). Buscando a história, o morador da Guaricanas, Clésio Mondini, nos mostrou o primeiro cemitério, com os primeiros colonizadores, onde hoje é uma arrozeira nas propriedades de Flores Fistarol. Explicou que, quando os restos mortais foram recondicionados para a parte alta, ainda nas propriedades de Fistarol, havia a intenção da construção de uma única Igreja, porém por brigas entre as comunidades de Guaricanas I e II, muitos restos mortais e lápides antigas se perderam. Neste local (terreno do Sr. Flores) – que se tem como o segundo cemitério da comunidade – ainda encontramos uma lápide, de  Antônio Lanznaster, com a inscrição “Nato il 14 Gennaio 1837, morto il 1 agosto 1897.” Talvez a lápide mais antiga e original que encontramos na cidade, afirma Mondini.

Ainda no Bairro Guaricanas fomos na Capela São José e lá, no alto do morro íngreme, passa despercebido o terceiro cemitério da comunidade. Ali pelo menos 5 lápides podem ser identificadas entre as árvores e há outras totalmente cobertas pela vegetação. Indiscutivelmente um patrimônio histórico municipal totalmente largado à desídia. Ali o pensamento é um só: será um lugar macabro ou um lugar que apresenta expressão artística, histórica, com personalidades que abriram a nossa terra? Por que não ser um local de peregrinação? De celebração da vida que nos antecedeu? Verdade que há ali uma riqueza perdida.

Logo que descíamos o morro, ao lado da igrejinha de São José (de 1935) encontramos a Sra. Odília Tomio Rinco, que ali, às 8 horas da manhã, nos recebeu com um largo sorriso no rosto e estava limpando voluntariamente o jardim de flores da Capela. Isso nos faz perceber o quanto há de histórias e de pessoas que passam quase despercebidas, mas que fazem total diferença em nossa cidade. Há muitos mortos que nos proporcionaram a construção da cidade e que restam esquecidos e há outros, ali vivos e dispostos, no anonimato, fazendo a diferença.

No Ilze há o cemitério luterano abandonado, com jazigos totalmente cobertos pela vegetação, outros abertos e quebrados e pode-se verificar que há uma lápide de 1898 de Johana Teske.

Rodeio

Cemitério Municipal de Rodeio

A Prefeitura administra quatro cemitérios: Cemitério do centro, Cemitério do Rio Morto, Cemitério do Bairro Rodeio 50, Cemitério do Bairro Rodeio 12, e estes possuem cadastro de jazigos no município. Ainda há o Cemitério do Bairro Diamantina e no Bairro Rodeio 32 que são administrados pelo CPC das Capelas.

A Prefeitura de Rodeio está implementando nos cemitérios do Centro e Bairro Rodeio 12 um Bloco de "Gavetarios". Inicialmente serão 24 gavetas em conformidade com o projeto que foi aprovado no ano de 2020 começa a ganhar forma, o cemitério vertical.

Conforme assessoria de imprensa, “o objetivo é aumentar os espaços para as famílias que precisam sepultar entes queridos em Rodeio. A implantação segue todas as normas ambientais e de segurança e contará com sistema de tratamento de gases. E o custo de manutenção e as despesas para as famílias também diminuirão consideravelmente.”

O historiador Gabriel Dalmolin destacou personalidades no Cemitério Municipal de Rodeio (Centro) apresentando que a cidade fortemente abraça sua história e mantém vívido o elo com os antepassados.

Frei Lucínio Korte (1866-1942): nascido em Ervitte (Alemanha), foi um padre franciscano que chegou à região de Blumenau no ano de 1892, atuando como religioso nas áreas de colonização italiana. Atuou fixamente em Rodeio em quatro oportunidades: 1895-1904, 1907-1909, 1911-1917 e 1926-1942, sendo o pároco (vigário) por duas vezes. Em Rodeio colaborou para o surgimento do primeiro jornal da cidade, o L’Amico, liderou a construção da Igreja Matriz, incentivou a formação de cooperativas agrícolas, bandas, coros e escolas. Seu trabalho pastoral lhe rendeu os títulos de “pai espiritual” e "patriarca'' de Rodeio. Foi sepultado em 20 de junho de 1942, por Frei Bruno Linden, que descreveu no Livro de Óbitos da Paróquia que “o enterro efetuou-se num sábado, dia de frio e geada extraordinária que fez a terra e as plantas chorarem pelo falecimento de seu grande amigo e benfeitor”. Está sepultado na ala do cemitério destinado aos padres franciscanos.

Valentino Fruet (1851-1931): Valentino Fruet nasceu em Pergine Valsugana (Tirol, Áustria-Hungria) e imigrou para o Brasil em 1875, instalando-se na comunidade de Rodeio. Fruet era o capelão (ministro) da comunidade central de Rodeio, sendo o responsável por “puxar as rezas” na ausência dos padres, participava ativamente do coro, foi o primeiro professor de Rodeio, doou parte do lote me que foi construído a Igreja Matriz, Noviciado e Cemitério. Também era o líder da Ordem Terceira Franciscana, dedicada aos leigos, além de atuar como coveiro da comunidade durante longos anos. Valentino foi o único imigrante leigo que recebeu uma grande descrição no Livro de Óbitos por parte dos frades franciscanos: “o zeloso e infatigável cantor da Matriz de Rodeio, Valentino Fruet, que desde a fundação da colônia tem sido o capelão e mais tarde o braço forte dos Reverendíssimos Vigários. Foi continuamente fortificado e consolado pelos seus sacramentos no tempo da dolorosa enfermidade. O enterro no nosso cemitério era triunfal, sinal do merecimento do falecido, e da gratidão do povo. Ele que mil vezes cantou “Requiem aeternam dona eis Domine” tenha agora o que desejou por longos anos aos seus caros irmãos e irmãs falecidos”.

Irmãs Franciscanas: A Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas foi uma ordem religiosa criada em Rodeio no ano de 1915 pelas irmãs Maria Avosani (1891-1945), Amábile Avosani (1889-1952) que já atuava como professora em Apiúna e, Liduína Venturi (1894-1966), todas sepultadas no Cemitério Municipal de Rodeio. As irmãs catequistas surgiram com a missão de atuar nas escolas paroquiais, mas acabaram por ingressar na rede estadual de ensino, atuando em diversos municípios da região. Hoje as Irmãs Catequistas Franciscanas estão espalhadas por 9 países diferentes.

Expedicionários: Os expedicionários (pracinhas) que representaram o município de Rodeio durante a Segunda Guerra Mundial estão sepultados no Cemitério Municipal. Sepultados junto com seus cônjuges ou demais familiares, aparecem muitas vezes com plaquinhas especiais que os identificam como membros da antiga FEB (Força Expedicionária Brasileira). Caso do expedicionário Hilário Scoz (1919-2004).

Apiúna

Cemitério Municipal de Apiúna

Apiúna possui 12 cemitérios sendo um municipal e os demais são católicos e luteranos.

O túmulo mais antigo é de 1900 quando foi sepultado Franzisco Theodoro Rauen, nascido em 16/10/1870 com falecimento em 17/09/1900. Sepulcro este, preservado até hoje por uma benfeitora da comunidade de Apiúna.

Segundo a assessoria de comunicação, o cemitério municipal vem passando por reformas e melhorias. No ano passado foi reativada a iluminação da linda Cruz,  no alto da capela em anexo ao cemitério e regularizada a atuação do serviço funerário no município. Nos próximos dias o município implantará softwares com módulos exclusivos para gestão do Cemitério Municipal.

O Município atua com programa de Auxílio Funeral para famílias assistidas pela Assistência Social e com perfil que se encaixe no programa.

Às vezes, viajamos e, nessas viagens, buscamos conhecer cemitérios famosos, com personalidades marcantes, como La Recoleta na Argentina ou o cemitério associado à Igreja Trinity, em Manhattan nos EUA ou cemitérios famosos na Europa com os restos de Napoleão Bonaparte ou mesmo logo ali, no Rio de Janeiro, para ver o jazigo de Carmem Miranda ou Vinícius de Moraes. Realmente, há cemitérios que precisamos conhecer antes de morrer! Mas não nos damos conta das personalidades, da força laborativa e das lutas abençoadas que nossos antepassados empregaram aqui, exatamente onde pisamos.

02 de novembro, Dia dos Mortos, uma data católica que nos remete à lembrança carinhosa de quem aqui passou, mas que mais do que na lembrança e oração dos familiares merece ser abarcada pelos entes públicos municipais por questões histórico-culturais, de coletividade e até saúde pública. Há evidente abandono tanto das entidades religiosas quanto das famílias e especialmente dos entes públicos. Do jeito que se apresentam alguns cemitérios, duvidamos que eles descansem em paz. Logo menos esperarmos estaremos também ali. E nosso descanso será em paz?

Rodeio – Texto Gabriel Fruet e Gabriel Dalmolin /Fotos Gabriel Dalmolin

Apiúna – Valdir amarante

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